Nas
sociedades primitivas, que existem até hoje nas mais diferentes
partes do mundo, encontramos atitudes variadas com relação
a pessoas com deficiência, indo desde a aceitação
e respeito, até a completa rejeição e eliminação.
Na opinião de autoridades em Antropologia
e mesmo de diversos historiadores da Medicina, podem ser observados
basicamente dois tipos de atitudes para com pessoas doentes, idosas
ou com deficiências: Uma é de aceitação,
de tolerância, de apoio e de assimilação e
outra de rejeição, eliminação, menosprezo
e destruição.
Na primeira, as pessoas que estão à
margem do grupo principal devido a acidentes, doenças,
velhice ou defeitos físicos são em geral aceitas
das mais variadas maneiras, incluindo-se a tolerância pura
e simples, chegando até ao tratamento carinhoso, ao recebimento
de honrarias e à obtenção de um papel relevante
no seu grupo ou em sua comunidade. É interessante ressaltar
que esses mesmos antropólogos e historiadores observam
que as encontradiças atitudes positivas e de aceitação
não correspondem necessariamente a raças mais cultas,
experimentadas e evoluídas.
No segundo tipo de atitude, todavia, essas mesmas
pessoas são diminuídas e colocadas à margem
do seu grupo, ou, em certas culturas primitivas, são abandonadas
à própria sorte em ambientes agrestes e perigosos,
morrendo devido à inanição ou aos ataques
de animais selvagens.
Essas atitudes são bem diferentes daquelas de destruição
habitual e sistemática adotadas por grupos primitivos mais
complexos, dedicados à agricultura e também ao pastoreio
e a uma incipiente pecuária. Se estudarmos com cautela
verificaremos que dentre as diversas causas para a destruição
das pessoas com deficiências existe uma relativa a crenças
e cultos, mas há também aquela baseada na realidade
que cerca a própria sobrevivência do grupo, face
à quase inutilidade das mesmas.
A - Atitudes de Aceitação, Apoio e Assimilação
Muitos são os povos primitivos que adotam ou adotaram atitudes
de apoio, de assimilação, de aceitação
ou de tolerância para com as pessoas com deficiência,
com doenças mentais ou em idade avançada. Ressaltemos
alguns:
Os nativos AONA residem ainda nos
dias atuais à beira do lago salgado de Rudolf, no Quênia,
numa ilha conhecida como Elmolo. Inicialmente eram nômades,
mas com sua localização nas margens do lago, tornaram-se
pescadores.
Segundo sua crença, os cegos mantêm uma relação
estreita e direta com o sobrenatural. Para eles, os espíritos
dos sobrenaturais moram no fundo do lago salgado e orientam diretamente
os cegos quanto aos locais onde há fartura de peixe. Assim,
os cegos sempre participam das pescarias primitivas. Atiram suas
lanças na direção onde existem cardumes.
É compreensível que, entre os AONA, os cegos
são muito bem tratados.
Tribo Azande
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Entre o Sudão e o Congo, numa região
de densas florestas, vivem os AZANDE.
Trata-se de um povo muito primitivo. Adotam um nomadismo esporádico.
Todos os componentes dessa raça acreditam muito em feitiçaria.
No entanto, não chegam a relacionar defeitos e anomalias
físicos com intervenções sobrenaturais. Crianças
anormais nunca são abandonadas ou mortas. Não lhes
falta atenção dos pais ou de parentes mais próximos.
Segundo antropólogos que estudaram essa raça, dedos
adicionaisnas mãos ou nos pés são bastante
comuns e eles se orgulham de os possuir.
Nativo Ashanti
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Na parte Sul de Gana, a Oeste da África,
vivem os ASHANTI, que totalizam ao redor de um milhão
de membros. Quando constituíam um reino próprio, era
costumeiro enviar à corte real crianças com defeitos
físicos para serem treinadas como arautos do rei. Esses mensageiros
com deficiência física eram destacados para missões
delicadas, como, por exemplo, a iminência de guerra com tribos
vizinhas. Em geral a mensagem do rei ASHANTI era incisiva
e terminava com um recado enfático do arauto: "Se esses
termos não forem aceitos, poderei ser morto agora mesmo".
Parece que isso não acontecia, entretanto. Os inimigos limitavam-se,
por exemplo, a cortar um dos dedos do arauto, o que equivalia a
uma declaração de guerra. Além dessa perigosa
missão, os homens com deficiência eram utilizados como
inspetores sanitários ou coletores de impostos. Eram também
utilizados como bufões e tinham o privilégio de dizer
a seu mestre o que bem entendiam. Foram também usados como
espiões.
Entre os DAHOMEY, membros mais antigos das raças que
povoavam o atual território do Dahomey, localizado na África
Ocidental, sempre foi considerado como fato costumeiro que as autoridades
conhecidas como "condestáveis do Estado" fossem
selecionadas principalmente entre pessoas com deficiências
físicas ou sensoriais. Em várias aldeias da região,
crianças nascidas com anomalias físicas sérias
eram tidas como protegidas por agentes sobrenaturais especiais.
Segundo crença popular, essas crianças existem para
trazer sorte à aldeia. No entanto, em tempos passados, o
destino de muitas delas dependia de alguns sinais supostamente sobrenaturais
que podiam determinar seu abandono à beira de um rio.
Entre os nativos da raça MACRI, da Nova Zelândia,
pessoas deformadas ou com deficiências não são
mortas nem abandonadas. Elas sobrevivem, embora com dificuldade,
pois não encontram muito apoio e chegam mesmo a receber tratamento
ou apelidos de natureza menos agradável.
aldeia dos Pés Negros
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Os famosos PÉS NEGROS formavam uma tribo hoje praticamente
extinta da América do Norte. Entre esses selvagens cuidava-se
bem dos familiares com deficiência. Essas pessoas eram responsabilidade
do próprio grupo familiar, mesmo que isso chegasse a acarretar
sacrifícios.
Os primitivos componentes da tribo dos
PONAPÉ, nas Ilhas Carolinas Orientais, sempre trataram
bem crianças com defeitos físicos ou evidentes sinais
de deficiência intelectual, como se fossem normais.
Já entre os nativos da raça SEMANG - habitantes
de parte da Malásia - só pessoas que se movem com
o auxílio de um bastão ou de uma muleta, devido a
um defeito físico ou à cegueira, é que são
procuradas para orientações ou para decidir disputas.
Trata-se de uma tribo negrito muito primitiva, que ainda vive em
cavernas ou em abrigos de folhas.
Para os nativos TRUK, habitantes
das ilhas que levam seu nome - localizadas nas Carolinas - as
pessoas com deficiências das mais diversas naturezas e também
as pessoas muito idosas que não podem prover seu próprio
sustento - ou que dependem necessariamente dos outros - são
consideradas como supérfluas. No entanto, esses aborígenes
não tomam qualquer providência para sua segregação
ou para sua eliminação.
Dança dos Tupinambás
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Entre nossos antigos índios TUPINAMBÁ
do século XVI, o adulto doente ou deficiente por ferimentos
graves de guerra, de caça ou devido a acidentes da vida
na floresta era deixado à vontade em sua cabana, praticamente
sem contato algum com o restante da tribo. Ficava sem comer e
sem beber, se assim o desejasse. Podia pedir alimentos, que lhe
seria fornecido pelo tempo que considerasse necessário,
mesmo que pelo resto de sua vida. O que em geral acontecia, porém,
por posicionamento do guerreiro ferido, era que acabava morrendo
à míngua.
construção Xagga
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Nas fraldas do monte Kilimanjaro, ao norte
da Tanzânia - leste da África - vivem os nativos
da tribo XAGGA, ou Chagga. No seio dessa tribo primitiva
ninguém se atreve a prejudicar ou a matar crianças
ou adultos com defeitos físicos, pois segundo acreditam,
os maus espíritos habitam nessas pessoas e nelas se aquietam
e se deliciam, o que torna a normalidade possível a todos
os demais.
B - Atitudes de Abandono, Segregação
ou Destruição
Alguns dos povos primitivos pesquisados
não se preocupam ou não se preocupavam com
as pessoas com defeitos físicos ou mentais, em termos
de sua vida, mas tomavam atitudes discriminatórias
por vezes muito sérias contra elas. Vejamos alguns
exemplos:
BALI - Os nativos da Ilha de Bali,
na Indonésia, estão tradicionalmente impedidos
de manter contatos amorosos com pessoas muito diferentes
do normal, como, por exemplo, os albinos, as pessoas com
deficiência intelectual séria, os hansenianos
e, de um modo geral, com as pessoas com defeitos físicos.
CHIRICOA - Eles habitam as
florestas colombianas e andinas e mudam-se com facilidade
ou de acordo com as exigências para sobrevivência
do grupo. Esses índios, tanto quanto certas tribos
do Caribe antigo o faziam,abandonam pessoas muito idosas
ou incapacitadas por doenças ou por mutilações,
por ocasião de suas mudanças. Cada membro
da comunidade carrega tudo o que pode levar e transportar
pela selva, e que é considerado como estritamente
necessário para sobreviver. Essas pessoas com deficiência
ou muito velhas e doentes terminem seus dias abandonadas
nos antigos sítios de morada da tribo, por não
poderem movimentar-se ou por não serem consideradas
como fundamentais para a sobrevivência do grupo.

Esquimós reunidos
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ESQUIMÓ - Entre os esquimós
mais antigos que mantiveram contato com missionários
franceses dos séculos XVII e XVIII nos territórios
canadenses de hoje, as pessoas idosas ou com defeitos físicos
sérios eram deixadas, muitas vezes por sua própria
orientação e sua própria escolha, num
local mais propício e próximo dos pontos onde
todos sabiam ser área de convergência contínua
dos ursos polares, para serem por eles devorados. Segundo
acreditavam, os ursos brancos eram considerados como animais
sagrados e de grande utilidade para a tribo, devendo manter-se
sempre bem alimentados. Dessa forma, seu espesso pêlo
mantinha-se em ótimo estado para, quando mortos, bem
agasalharem a população.
SIRIONO - Esses índios
são semi-nômades e de língua Guarani.
Habitam nas selvas da Bolívia, próximos das
fronteiras com o Brasil. Para eles, a doença e a incapacidade
física, bem como a velhice avançada, podem levar
ao abandono e mesmo à morte, com certa freqüência,
devido à constante movimentação da tribo.
Os pertences e a cabana daqueles que morrem são costumeiramente
destruídos pelo fogo.
C - O Extermínio de
Pessoas com Deficiência
A maioria dos povos
primitivos, no entanto, indicada o extermínio como
solução para o problema de crianças
ou de adultos com defeitos físicos ou com problemas
intelectuais marcantes. Vejamos alguns dos casos mais famosos
relatados em estudos de antropologia:
AJORE - Os índios
Ajore vivem ainda hoje como nômades, em regiões
pantanosas, entre os rios Otuquis e Paraguai, nos isolados
confins da Bolívia e do Paraguai. São considerados
como orgulhosos nativos do Gran Chaco. Devido ao nomadismo,
todos os recém-nascidos com defeitos físicos
- ou mesmo aqueles não-desejados - são enterrados
junto com a placenta, ao nascer. Os velhos Ajore, ou aqueles
que, devido às circunstâncias ficaram deficientes,
são enterrados vivos, por solicitação
própria ou mesmo contra a sua vontade. Alguns consideram
esse tipo de morte altamente desejável, pois a terra
os protegerá contra tudo e contra todos.
CREEK - Velhos
doentes e vítimas de males crônicos eram mortos
por misericórdia pelos índios Creek. Acreditam
esses índios que esses velhos ou doentes poderiam
acabar caindo nas mãos de inimigos e sofrer muito
mais. Os idosos mais saudáveis sempre forem respeitados
e mesmo reverenciados por todos os componentes da tribo.
DENE - Os índios
Dene, do Noroeste do Canadá, tinham o costume de
eliminar pessoas com defeitos físicos ou incapacitadas
devido à idade. Essas pessoas eram também
abandonadas nas planícies geladas de seus imensos
territórios.
DIERI - O infanticídio
acontece com freqüência na tribo dos Dieri, que
ocupa algumas regiões do Centro da Austrália.
Dele são vítimas não apenas recém-nascidos
com defeitos físicos, mas também aqueles nascidos
de mães solteiras. No entanto, nessa e em várias
outras tribos australianas, o respeito pelos idosos é
constantemente citado pelos antropólogos que se dedicam
ao seu estudo. Em quase todas as tribos da Austrália
os velhos são respeitados como líderes e como
conselheiros.
Máscaras Jukun
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JUKUN - Trata-se de uma tribo da Nigéria, na qual
crianças que nascem com deformações não
sobrevivem. Elas são abandonadas nas florestas ou nos
lugares ermos onde logo encontram a morte. Acreditam os nativos
Jukun que as crianças com defeitos físicos são
tomadas, ainda no ventre da mãe, por espíritos
malignos.
MASAI - Os nativos da raça Masai são
sempre elegantes, magros e muito altos. Eles são
de uma definida origem Nilo-hamítica nômade.
Costumam tirar a vida de crianças recém-nascidas
que se apresentam muito fracas ou que já apresentam
deformações.
Comunidade Navajo
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NAVAJO - Os índios Navajo,
aparentados dos Apache e formadores da maior raça indígena
norte-americana, no passado distante não permitiam
que uma criança com defeito físico sobrevivesse.
Ela era asfixiada ou afogada no meio do mato ou ocasionalmente
queimada viva. Mesmo hoje em dia os Navajo não se sentem
muito à vontade diante de pessoas com defeitos físicos.
Consideram, em seu íntimo, que elas estão fora
da harmonia das forças da natureza e que o contato
com elas acabará trazendo desarmonia na vida de cada
um.
Nativo Ojibwa
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OJIBWA - Conhecido grupo étnico de índios
norte-americanos, existem famílias Ojibwa residentes
ainda hoje nas ilhas Parry, no Canadá, que acreditavam
e talvez até hoje acreditem que pessoas com defeitos
físicos são feiticeiras e que sofrem com seus
problemas físicos porque os seus poderes de cura acabam
voltando-se contra elas mesmas. Essas pessoas com defeitos
físicos podem ser acusadas de feiticeiras e, no passado,
se fossem condenadas, eram mortas a pauladas.
SALVIA - Nas matas fechadas da Amazônia sempre
viveram os índios Sálvia, hoje em extinção.
Eles costumam dar a morte aos fisicamente defeituosos, por
serem considerados como elementos claramente marcados por
espíritos malignos.
SAULTEAUX - Esses índios
pertencem à grande raça dos Ojibwa. Estão
espalhados tanto pelos Estados Unidos quanto pelo Canadá,
nas regiões agrestes ao redor dos Grandes Lagos e
em especial do lago Winnipeg. Pensavam esses índios
que as pessoas com deficiências físicas eram
possuídas por espíritos malignos, o que levava
a tribo a matá-las. Eram também consideradas
como verdadeiras ameaças aos deuses que, com sua
morte, mantinham-se pacificados e contentes.
embarcação atravessando
o rio
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UITOTO - Segundo costume observado
pelos integrantes dessa tribo do alto Amazonas, a sudeste
da Colômbia e nas proximidades do Peru, o recém-nascido
era sempre submerso num riacho próximo à aldeia
por alguns segundos, a pretexto de sua limpeza. Mas isso era
feito também para verificar sua higidez e perfeição
física. Caso a criança não fosse suficientemente
saudável e bem constituída, melhor seria morrer
naquela hora do que passar a vida toda de atribulações
para si e para sua família, devido à fraqueza
ou defeito físico. Nos casos de ocorrer alguma deformidade
durante seu crescimento, o feiticeiro da tribo declarava abertamente
que ela havia sido vítima de algum mau espírito,
podendo causar malefícios para toda a aldeia. Acabava
sendo eliminada.
WAGEO - Entre esses primitivos habitantes
da Nova Guiné, as crianças com deformidades
físicas eram enterradas logo após o seu nascimento.
No entanto, se a deficiência ocorresse durante a vida,
as vítimas eram tratadas com cuidado e mesmo com
carinho.
XAGGA - Como vimos acima, muito
embora os Xagga jamais procurassem livrar-se de uma criança
ou de um adulto com defeitos físicos ou intelectuais,
tinham atitude diferente face ao nascimento de uma criança
defeituosa. A parteira ou o próprio pai tinham o
direito de tomar uma decisão quanto à vida
ou a morte de um bebê nascido com deformidades, no
próprio ato do nascimento, se as circunstâncias
assim o recomendassem, mais ou menos à semelhança
dos romanos, em cumprimento a determinações
da Lei das Doze Tábuas.
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