A influência dos deuses foi marcante em praticamente
toda a vida da Grécia Antiga, mesmo durante séculos
depois de instalado o Cristianismo. Mais do que ninguém conhecedores
disso, os sacerdotes e sacerdotisas procuravam, por todos os recursos
à sua disposição, tornar o seu deus específico
o mais eficaz e o mais poderoso possível.
Asclépios, que os romanos,
devido a uma corruptela de pronúncia, passariam a chamar
de Esculápio, reconhecido como o deus da cura e da medicina,
foi um caso todo especial. Merece toda a nossa atenção,
dentro dos temas relacionados a pessoas com deficiência, que
o Centro de Referências FASTER está sempre procurando
analisar.
Seu templo mais famoso foi aquele localizado em Epidauros, vila
situada a nordeste do Peloponeso, ao sul da Grécia. Havia
muitos outros templos e alguns deles muito renomados, tais como
os de Pérgamo, Tricca e Cós. Em sua grande maioria,
os templos de Asclépios localizavam-se em pontos de alta
salubridade, devido ao ar muito puro, às águas termais
e a outras condições que hoje caracterizam a maioria
das "estações hidrominerais" e os "spas".
As Famosas Instalações de Epidauros
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O templo de Asclépios, em Epidauros, era de
um estilo dórico puro, todo cercado de colunas, medindo 25,50
metros de comprimento e 13 metros de largura. Suas paredes eram
construídas de pedra rebocada de branco. Seu teto era todo
forrado com tábuas de cipreste. No frontão do templo
havia uma vistosa estátua de Niké, a deusa da vitória.
A entrada principal do templo era bem ampla, com cinco colunas dóricas
e contava com uma rampa de acesso. Rampas de acesso eram também
usadas nas instalações dos edifícios conhecidos
como "tholos", "abaton" e "propiléia",
conforme podem ainda ser notadas nas ruínas existentes em
Epidauros. O piso da nave do templo era acabado em mármore
branco e preto. O altar interno do templo (havia o altar externo,
para sacrifícios de animais), a meio caminho da nave, era
de mármore branco, levemente iluminado por lamparinas. E
ao fundo, em ambiente suavemente rebaixado e cercado por leves degraus,
ficava um trono no qual estava a bela imagem de Asclépios,
em marfim e ouro, rosto sereno, com uma das mãos segurando
um bastão e a outra pousada sobre a cabeça de uma
serpente sagrada. A seus pés, um cão sagrado.
Do templo de Epidauros e de suas diversas instalações
adjacentes, hoje podemos admirar apenas suas ruínas, a mais
de doze quilómetros do porto de Palaia Epidhavros. Essas
ruínas foram provocadas por muitos séculos de total
abandono, pelas atividades guerreiras, por terremotos e pelos contínuos
ataques da religião cristã. No entanto, o visitante
não pode deixar de ficar admirado com a extinta pujança
daquilo que por séculos diversos foi reconhecido como a "Asclepéia
de Epidauros". Foram escavadas, parcialmente restauradas e
tombadas as ruínas de seu teatro - famoso e muito bem conservado
- tido como um dos melhores de toda a Grécia de hoje. Têm
sido também trabalhados por meio de escavações
e restaurações seu ginásio (contava até
com piscina), um muito sofisticado e complexo templo circular conhecido
como "tholos", o próprio templo de Asclépios,
uma construção adjacente ao templo, conhecida como
"abaton" e também um hospital.
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Para lá acorriam pessoas com artrite, cegos,
surdos, mudos, deficientes mentais, vítimas de paralisias,
reumáticos, casos de doenças degenerativas, vítimas
de picadas de aranha ou de cobra, vítimas de acidentes com
seqüelas graves e com muitos outros problemas.
Os médicos-sacerdotes de Epidauros tinham uma vasta experiência
na medicina. Com base nesse conhecimento estabeleceram uma espécie
de cerimonial completo para a aproximação dos devotos
ao deus Asclépios. Mas guardavam em segredo fechado um verdadeiro
e surpreendente monopólio de conhecimentos passados muitas
vezes de pai para filho. Tratavam os casos não apenas com
atenção e carinho de um sacerdote ou autoridade religiosa,
mas com avançados conhecimentos de medicina daqueles anos.
0 recinto sagrado propriamente dito (conhecido como "hiéron")
contava com algumas áreas especiais, conforme poderá
ainda hoje ser observado nas próprias ruínas ali existentes.
Dentre esses ambientes físicos especiais é necessário
destacar o assim chamado "abaton".
Era um amplo pórtico, todo construído em colunatas,
praticamente ao lado do templo, sendo internamente dividido em dois
níveis. No nível inferior ficavam os casos de pessoas
impossibilitadas de caminhar ou que apresentavam sérios empecilhos
para seu transporte. No superior havia acomodações
para os casos menos graves. Estudiosos comentam que talvez os níveis
correspondessem à separação por sexo.
Para todos os fiéis que desejavam uma aproximação
a Asclépios havia condições previamente estabelecidas
pelos sacerdotes, tanto para entrada no templo, como para utilização
do "abaton". Os médicos-sacerdotes ficavam conhecendo
todos os casos com antecipação e, a pretexto de regras
do culto, iniciavam um tratamento prévio através de
ritos purificadores, incluindo neles os banhos medicinais, jejuns,
dietas especiais, sacrifícios ao deus, donativos ao complexo
sagrado e outros tipos de intervenção que eles procuravam
ligar intimamente aos ritos de aproximação ao "abaton".
Usavam de todos os meios para aproximar do deus Asclépios
os casos de devotos que tivessem condições de cura,
possibilidades eventuais de volta ou necessidade de orientações
para um tratamento mais prolongado.
Após esses trabalhos iniciais, desde que o devoto cumprisse
todos os requisitos iniciais, ele era aceito para passar uma noite
no "abaton", dormindo sobre uma pele de animal sacrificado
ao deus ou sobre um catre, em ambiente intencionalmente misterioso
e insuficientemente iluminado.
Sistema de Funcionamento de Epidauros
Dentro do templo de Asclépios, desde sua entrada até
o trono do deus da medicina, sacerdotes e auxiliares espalhavam-se
por todo o ambiente, ajudando os enfermos ou as pessoas devotas,
orando ou entoando cânticos sacros. Cuidavam para que tudo
corresse bem para os angustiados fiéis, evitando zelosamente
para que ali dentro não sucedessem nem mortes nem nascimentos.
Eventualmente alguns cães cruzavam o local, pois além
de serem considerados animais sagrados, eram ali mantidos para a
vigilância e salvaguarda do templo. Grandes serpentes sagradas
e não-venenosas eram olhadas com extremo respeito em suas
raras e ocasionais aparições pelos cantos do templo
ou pelo arvoredo que o cercava - eram consideradas como o próprio
símbolo do deus Asclépios.
O devoto que tinha um mal ou uma deficiência - e em geral
desenganado por médicos ou deles desiludido - após
um período de preparação já citado e
que poderia durar alguns dias, dormia uma noite no "abaton",
sendo preparado por alguns métodos hipnóticos pelo
consumo de alimentos ou poções soníferas receitadas
pelos médicos-sacerdotes. Eram bebidas e bocados sagrados...
Essa espécie de "retiro espiritual" para o qual
havia uma série de orientações, era conhecida
como "noite de incubação", e considerada
como elemento essencial para o culto do deus e a eventual efetivação
da cura. Era durante essa noite que aconteciam visões ou
sonhos, e pela manhã os sacerdotes anotavam e interpretavam
todos eles, como se fossem mensagens diretas do próprio Asclépios,
sem, porém, descuidar das medicações ou das
providências que vinham adotando desde a chegada do devoto
ao santuário.
Plutão, Deus da Riqueza, Curado por Asclépios
Aristófanes (450 a 388 a.C), em sua peça "Plutão,
o Deus da Riqueza", fala-nos pormenorizadamente do ritual utilizado
em templos de Asclépios. Trata-se de uma trama bem desenvolvida
na peça, na qual vemos Cremilos, pobre e honesto, procurando
um oráculo para encontrar a riqueza. Ao perseguir e dominar
um mendigo cego, percebe tratar-se de Plutão, o próprio
deus da riqueza.
Vejamos um trecho, no qual Aristófanes indica a já
consagrada fama de Asclépios:
"Cremilos - Restaurar a visão. . .
Blepsidemos - ... Restaurar a visão de quem?
C - Restaurar a visão de "Riqueza", do modo que
pudermos!
B - 0 que?! Ele é realmente cego? . . .
C - Ele é, realmente!
B - Ah! Por isso é que ele jamais veio a mim. . .
C - Mas agora ele virá, se for o desejo dos céus.
B - Não seria melhor chamarmos um médico?
C - Existe neste instante algum médico em toda a cidade?
Não há pagamentos e, portanto, não há
especialistas!
B - Pensemos um pouco...
C - Não há nenhum!
B - Não há mais nenhum...
C - Então, será melhor fazermos aquilo que eu já
pretendia: Fazê-lo dormir no templo de Asclépios a
noite toda.
B - Estou certo de que é melhor mesmo. Portanto, deixe de
ser folgador: Rápido, faça alguma coisa. . ."
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Carion, outro personagem da comédia, encarregado de levar
Plutão até então disfarçado em mendigo
cego ao templo de Asclépios, volta muito feliz de sua viagem
e conta à esposa como havia ocorrido a cura. Usa uma linguagem
pitoresca e por vezes muito irreverente. Vejamos os pontos que mais
nos interessam em sua narrativa e lembremo-nos de que ela foi escrita
quatro séculos antes do nascimento de Jesus Cristo. Ela nos
fala de perto a respeito dos problemas das pessoas com deficiência
à busca de cura para seus males, para os quais os médicos
de então raramente encontravam soluções.
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"Carion (dirigindo-se à esposa) - Ouça, eu vou
contar-te todo esse negócio incrível, dos pés
até a cabeça. Logo atingimos o templo do deus, levando
o homem, muito infeliz então, mas tão feliz e tão
rico agora. Imediatamente levamo-lo até o mar e lá
o banhamos. Depois, levamo-lo ao recinto sagrado. Lá, sobre
o altar, bolos de mel e guloseimas eram oferecidos, alimento para
a chama de Hefesto". . .
"Esposa - Não havia outros para serem curados?"
"Carion - Neocleides era um deles; o pobre cego que durante
seus furtos havia furado seu próprio olho. E muitos outros,
doentes com todas as formas de doenças. Logo o servidor do
templo apagou as luzes e mandou-nos dormir, sem nos movermos ou
falarmos a qualquer barulho que ouvíssemos. Assim sendo,
deitamo-nos num repouso tranqüilo".
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Carion, muito observador, irreverente e curioso do que ali poderia
suceder, vê na penumbra do "abaton" a figura de
um sacerdote coletando e levando as oferendas que estavam sobre
o altar, colocando-as todas num saco. E após, conta o aparecimento
de Asclépios, acompanhado das deusas Panacéia e laso.
O deus vai de paciente a paciente, muito calmo, estudando cada um
deles.
Perto do cego Neocleides um servente coloca ao lado do deus um pequeno
pilão e uma caixa de medicamentos; o deus faz a mistura com
vários ingredientes e coloca-a nos olhos de Neocleides, sem
curá-lo, mais para castigá-lo por seus furtos do que
para livrá-lo da cegueira parcial. A seguir, dá atenção
ao cego Plutão:
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"Carion - Depois, sentou-se ao lado de Plutão e primeiro
apalpou a cabeça do paciente e depois, tomando um lenço
de linho, limpo e branco, limpou seus lábios e os secou.
Então, Panacéia, com um manto vermelho, cobriu seu
rosto e sua cabeça; o deus assobiou e duas grandes serpentes
saíram do santo altar. E escondidas sob o manto vermelho,
elas lamberam seus olhos, segundo me parece. E, querida, antes mesmo
que tu pudesses tomar alguns cálices de vinho, Plutão
levantou-se e enxergou".
(Veja Asclepius - A Collection and Interpretation of the Testimonies,
de Emma e L. Edelstein).
Os Testemunhos das Muitas Curas
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Segundo arqueólogos e historiadores do assunto,
ocorreram, apenas em Epidauros, sem considerar outros templos, curas
verdadeiras devido a medicações corretas e bem dosadas,
a intervenções cirúrgicas das mais variadas
naturezas, a banhos especiais, a massagens e certos tratamentos
que hoje até fazem parte das atividades de fisioterapeutas,
e também devido à forte sugestão que o ambiente
provocava.
No entanto, segundo autores especializados em Epidauros, na maioria
dos casos que recorreram a Asclépios, existia por parte dos
beneficiários uma fé muito forte em seu poder de cura.
Como sucede em todos os locais ou santuários considerados
miraculosos, uma pequena parte das curas foi para sempre registrada
em pedras votivas, em ex-votos especiais, em placas de agradecimento,
em pergaminhos, em colunas votivas, hoje localizados em diversos
museus e no próprio acervo histórico de Epidauros.
Existem, por exemplo, algumas pequenas colunas votivas que citam
muitos casos, incluindo mais de cem curas consideradas hoje como
inexplicáveis.
Eis um testemunho eloqüente - e comovente - relativo à
cura de um mal indefinível, mas de natureza muito grave:
"O lugar está deserto e não há ninguém
ao meu redor para ouvir minhas palavras. Acreditem-me, oh, homens!
Estive morto durante todos os anos que eu já havia vivido.
0 belo, o sagrado, o mau eram todos semelhantes para mim. Tal era,
segundo me parece, a escuridão que me envolvia em minha compreensão
e que de mim escondia todas essas coisas. Mas agora que aqui vim,
recomecei a viver pelo resto da minha vida, como se eu tivesse dormido
no templo de Asclépios e tivesse sido salvo. Este sol tão
grande, tão belo, agora por mim descoberto pela primeira
vez, homens! Agora, hoje, eu vejo vocês, o ar, a acrópole,
o teatro, sob o céu claro!"... (Apud Edelstein)
Outro caso citado por vários autores está retratado
numa invocação muito fervorosa que mostra a imensa
fé e o forte conceito de Asclépios no seio do povo.
Diz ela:
"Ó Asclépios, ó desejado, ó
invocado deus! Como poderei ir ao teu templo se tu mesmo não
me conduzires a ele, ó invocado deus que superas o esplendor
da terra primaveril!"
E esta é a oração de um devoto chamado Diofanto:
"Salva-me, ó misericordioso deus! Somente tu, na
terra e no céu. Ó piedoso deus, o deus de todos os
milagres, graças a ti, Diofanto não andará
mais como um caranguejo, mas terá bons pés como tu
o quiseste" (Apud Edelstein).
Na maioria dos casos considerados como inexplicáveis, não
tem sido viável à ciência médica fazer
julgamentos objetivos das curas, por não ser mais possível
contar com qualquer base científica para análise quanto
aos males alegados, que afetavam as pessoas beneficiadas e muito
agradecidas ao deus da cura e da medicina. Vejamos, a título
de ilustração, alguns casos de pessoas que haviam
levado ao templo de Asclépios, em Epidauros, problemas de
deficiências sérias, tais como a cegueira, dificuldades
de locomoção e outros, e as circunstâncias de
sua cura.
a) Nicanor - deficiência nas pernas
Segundo uma das colunas votivas acima indicadas e que mais parecem
compilações de dados a respeito de curas miraculosas,
Nicanor era um homem que sofria séria limitação
nas pernas. É indicado como "manco". Estava recolhido
e sentado no interior do templo de Asclépios, orando em preparação
para a sua "noite de incubação" no "abaton".
Ao seu lado, a bengala que era forçado a usar. De súbito,
um misterioso e travesso menino passou correndo ao seu lado e tirou-lhe
a bengala, dirigindo-se na direção da saída.
Nicanor, surpreso e aborrecido, levantou-se para perseguir o garoto.
Só quando chegou ao lado externo do templo, à procura
do menino, é que notou que estava curado de sua limitação
física.
b) Alkétas, de Halieis - homem cego
Este homem cego, durante a noite que passou no "abaton"
teve um sonho: viu o próprio deus Asclépios chegar
até ele e abrir-lhe os olhos com seus dedos. As primeiras
coisas que enxergou, enquanto o deus manipulava seus olhos, foram
as sombras das árvores do lado de fora do santuário,
no meio da noite. Ao chegar o dia saiu curado.
c) Lyson, de Harmione - menino cego
Como centenas de outros casos, este menino cego estava no templo
de Asclépios para pedir sua cura e nada mais. Ali sentado,
esperava pacientemente. Em certo momento sentiu, um tanto surpreso,
que um dos cães sagrados do santuário havia chegado
perto dele e começara a lamber seus olhos. Um pouco depois
levantou-se muito feliz, pois começara a enxergar as coisas.
Ficou também curado.
d) Eschino - homem cego por ferimento recente
Com este homem aconteceu algo desagradável, muito embora
o incidente seja bastante interessante. Curioso por saber o que
poderia estar acontecendo no "abaton", no meio da noite,
com tantos doentes ali dormindo e as histórias de que Asclépios
aparecia em pessoa, subiu numa das grandes árvores que davam
sombra ao recinto, sem que os vigias ou os sacerdotes percebessem.
Procurou um galho que Ihe desse acesso à meia parede perto
das colunatas do "abaton", para poder ver melhor. 0 galho,
entretanto, não suportou seu peso e ele caiu fragorosamente
sobre umas estacas existentes no jardim, ferindo gravemente os olhos.
Em lamentável estado, foi socorrido. Suplicou perdão
pela sua curiosidade. Depois dos primeiros cuidados foi recolhido
ao "abaton" para uma noite de preces, tendo de lá
saído curado.
e) Menina muda
Não identificada pelo nome, existe a história de uma
menina muda que, ao entrar no recinto sagrado, corria de cá
para lá, dentro e fora do templo, curiosa e muito irrequieta.
De repente, tomada de surpresa e aterrorizada com uma serpente sagrada
que descia de uma árvore, gritou pelo pai, pedindo socorro.
A partir desse momento voltou a falar.
f) Menino mudo não identificado
Também sem identificação, este menino mudo
chegou ao templo de Epidauros acompanhado pelo pai, com o objetivo
evidente de recuperar a voz. Após ter feito os sacrifícios
e passado pelos ritos iniciais, como era costumeiro para todos os
casos, estava sentado no templo, aguardando, em oração,
ao lado do pai. 0 servente do templo, que acendia as lamparinas
para sua iluminação interna, olhando para o pai do
menino, sugeriu que ele deveria prometer trazer, dentro de um ano,
a oferta de agradecimento pela cura do filho, caso o garoto obtivesse
aquilo que viera buscar naquele templo de Asclépios. Mas
foi o próprio menino mudo que de repente respondeu: "Eu
prometo". 0 pai, espantado, pediu que ele repetisse. O garoto
respondeu sem hesitação - e depois disso ficou curado.
O leitor talvez tenha curiosidade de saber a natureza de mais algumas
dessas fantásticas curas, ocorridas em Epidauros, da mesma
forma como aconteceram em muitos outros dos templos de Asclépios.
Apenas nas colunas votivas citadas acima pudemos constatar:
12 curas de oftalmias sérias, incluindo a cegueira total
9 curas de defeitos nas pernas, incluindo paralisias
3 curas de afasia
2 curas de casos de surdez
1 cura de tuberculose
1 cura de convulsões (talvez epilepsia)
1 cura de caso de gota
2 curas de enxaquecas
1 cura de picada de tarântula
1 cura de infecção por piolhos
Além disso, há citações de diversos
casos de gravidez problemática, que era uma verdadeira especialidade
de Epidauros, de partos difíceis e também de diversos
casos curados por intervenções cirúrgicas que
chegam a totalizar mais de uma dúzia.
Naturalmente que os casos mais graves ou que não poderiam
encontrar solução nem pela fé nem pela intervenção
dos médicos-sacerdotes, abrigavam-se pelas imediações
em alojamentos ou, muito mais próximo do aparecimento do
Cristianismo como nova força, num "hospital" construído
por Antonino Pio (86 a 161 d.C.) e lá, depois de muito sofrimento
ou de um definhar contínuo, muitos deles acabavam morrendo
em paz com Asclépios.
O problema da grande afluência de mulheres em adiantado estado
de gravidez e também de doentes desenganados por médicos
e à beira da morte levaram também à construção
de uma espécie de hotel ou abrigo. Essas instalações
ficaram conhecidas como "Katagógion", tendo mais
ou menos 160 quartos.
Existem ainda hoje alguns trechos da estrada que vai das ruínas
de Epidauros até o porto da Palaia Epidhavros, que fazem
parte do chamado "caminho sagrado", todo ele ladeado por
túmulos daqueles distantes séculos.
De acordo com alguns autores, Epidauros e alguns outros templos
de Asclépios tiveram durante séculos a influência
talvez correspondente àquela que hoje em dia têm vários
lugares considerados como milagrosos.
Os tratamentos nesses templos de Asclépios funcionaram da
mesma forma como ainda hoje funcionam os tratamentos ministrados
em templos na ilha grega de Tenos, que são prescritos através
das interpretações de sonhos ou de visões ocorridas
durante a noite, num recinto considerado sagrado do templo.
A forte influência de Asclépios, seja em Epidauros,
seja em muitos outros templos espalhados pelo mundo greco-romano,
só foi cedendo muito vagarosamente aos fortes e insistentes
ataques do Cristianismo, que procuravam sistematicamente anular
o significado da miríade de deuses e deusas do mundo pagão.
(*) Otto Marques da Silva
Autor de "A Epopéia Ignorada - A
Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje"
Editora CEDAS - São Paulo, 1986
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